8.11.13

30.

E aí que eu tava no ponto de ônibus quando vejo a figura agachada no chão acendendo um cigarro. Como o cigarro aparentava estar limpo, sem dobras e nenhum amassado, assumi que ela tinha tirado da bolsa.

Aí tá, voltei a olhar para a rua quando vi que a figura estava perto da lata de lixo bebendo champagne direto do gargalo, agregando muito valor ao ponto de ônibus.

Até que um ônibus para o Méier parou, o que a fez apressar os goles da champagne para que, então, embarcasse e fosse embora — seja lá para onde for.

3.6.13

27.

Não há palavra que não seja invejosa do número. 
Palavra... é muito e o outro, absoluto. 
As letras se juntam para formar o tempo: 
se sentem confusas no presente 
- perdidas no rumo incerto do falar, 
mas se transformam ao cantar. 
Se distraem colocando agudos no futuro, 
embora o pretérito perfeito
tenham cismado em criar. 
Resgatam passado como peixe do mar 
- um que (eu posso!) acabei de inventar. 
A palavra se vê risível, verdade; 
mas sofre, às vezes, inaudível. 
Se vê em outros tempos, outros momentos. 
Impossível não lamentar. 
A palavra, muitas vezes jogada, 
nem sempre sentida, 
teme em se perder no tempo 
- não mais quista. 
Quem escreve nem sabe o que está falando, 
mas, na construção contínua do tempo, 
dói a saudade do ainda presente 
(sem enlouquecer)
em uma verdade clara 
e certeza recorrente: 
de você, eu jamais irei esquecer.

28.9.11

26.

Lúcia mal pôde acreditar nas horas que os ponteiros apontavam. Revisou em sua mente e não conseguiu se lembrar quando havia ido se deitar tão cedo na última década. Permaneceu ali, de lado, os olhos piscando energeticamente, como em pose de desafio. Escutou quando a água encontrou o chão de repente, mas não tirou a cabeça do travesseiro. Era mesmo quase hora daquilo acontecer. Maldita caixa d'água. Maldito subúrbio. Malditos sejam os acomodados que não fazem nada, absolutamente nada contra aquilo. Um cão ladrava em algum lugar distante, compondo a trilha que se estenderia pela noite até que os sons do dia transformassem água e cão em bobagem. Rolou na cama de um lado para o outro, uma, duas, três vezes até encontrar o lugar perfeito. Colchão magro, desconfortável. Apertou o travesseiro sobressalente contra o peito e afundou o nariz nele, tentando encontrar algum resquício de seu cheiro. Mas nada. Nem sempre as coisas foram assim para Lúcia. Houve época em que sua janela mostrava paisagem diferente, talvez não digna de panfletos de turismo, mas bonita o suficiente para se alegrar, para chorar, para se sentir bem, para compartilhar. Houve época que o telefone tocava constantemente e a caixa do correio borbulhava de revistas, encomendas, cartões postais. Essas duas últimas coisas ainda ocorrem, mas apenas para cobranças e propagandas baratas. Algo apertou dentro de si, espremeu os olhos e, para sua surpresa, sentiu uma gota passeando pela ponte do seu nariz. Muito tempo que uma água não passava por ali. E motivos, devo lhe dizer, ela tinha de sobra. Barulho fora de casa, barulho dentro de casa, barulho dentro de seu quarto, dentro de sua cabeça, então, nem se fala. Na maior parte do tempo aquilo lhe passava desapercebido, mas ultimamente tem sido motivo para loucura. Nem sempre foi assim. Lúcia abriu mão de muito e frequentemente se vê pensando no passado, querendo desesperadamente vivê-lo outra vez. As coisas mudaram, não comia mais em lugares badalados, divide um quarto com a irmã mais velha, mãe de dois de seus sobrinhos, gorda e divorciada duas vezes, mas ainda se dá ao luxo de manter sua marca de cigarros preferida - ah! e evita usar a expressão 'se dar ao luxo', pois, para ela, denota a pobreza em toda sua existência. Também não corre atrás de ônibus, embora apresse o passo vez ou outra em cima dos saltos desbotados e das ruas desreguladas do centro da cidade. Lúcia vacilou enquanto mais lágrimas se soltavam. As risadas de uma época distante, mesmo que pareça tanto com o dia anterior, ecoavam, os tapinhas cúmplices pareciam fazer pressão sob suas costas. Sabia que aquilo era puramente reação do seu psicológico. Maldito psicológico. Lembrou-se do dia que quis escrever algo amável em virtude do Dia do Amigo, mas que acabou não escrevendo por falta de tempo e excesso de álcool. Ainda bem que não o fez, estaria chorando bem mais agora. Lúcia se recompôs com a ajuda dos lençóis. Respirou fundo, fechou os olhos e ficou sonhando com o dia em que tudo mudaria de novo, o que faria, o que não faria e essas coisas assim. Fantasiou tanto que logo a história se fundiu nos sonhos de seu sono. 

9.9.11

24.

No táxi que me trouxe até aqui, Fionna Apple me dava razão...

Uma vez vieram reclamar comigo sobre a condição de ser humano. Não sobre as diferenças, a pobreza, o preconceito; mas sobre o simples fato de ter que viver, ter que comer e beber para sobreviver e a escravidão em torno de algo que nem é desejado. À época pensei que fosse loucura, ainda mais vindo de quem vinha, mas à época eu era diferente. Via a vida de modo diferente e até a vivia de forma diferente. Todos éramos diferentes, com uma ou outra exceção onde não percebi mudança.

Hoje percebo o que quis dizer. A condição de vida é algo tão escravista que chega a dar pena. Às vezes olho ao meu redor e tenho até vontade de saber de uma ou outra história de alguém que está sentado ao longe conversando com um grupo de amigos. Juro que tenho, tenho esse perchant por histórias. Ao mesmo tempo que me cansa o fato, não físico, de ter que sair de onde estou e ir lá. Temo que será a mesma coisa e a mesma coisa termina na mesma escravidão. Somos escravos de sentimentos, de comida, de bebida, somos escravos do dinheiro e do trabalho, somos escravos daquilo que os outros querem que sejamos, somos escravos até de nós mesmos - talvez, principalmente, de nós mesmos.

Não culpo o bêbado por sua condição.

20.5.11

22.

os menores dizem que sentem dor
os poetas falam em corações
- partidos, estraçalhados.
eu não cria que seria possível
mas dele, só tenho alguns pedaços,
cada qual firme em minha mão
enquanto algo em mim borbulha --
será crime? será tortura?
não, não, é uma certa angústia
daquela que não importou a luta,
pois sabe que irá perder.
fugir, calar-se, sumir
deixar a coisa passar, é melhor partir
planos válidos só para quem nunca sentiu a alegria
em um abraço.
e eu, que nunca acreditei no dito egoísmo bom,
digo: impossível agora não entendê-lo
aproveito e defendo: é desprezível desejar a outrem
uma vida sem lamentos?
se pondero, acabo por desistir.
que a vida tome seu próprio rumo
e faça dela o que bem quiser
enquanto eu daqui me sento em pleno breu
aguardo, talvez em vão, por quem lhe falo
e trato de remendar os pedaços
desse troço, desse troço chamado coração.