5.4.11

20.

Quando acordei, o céu representava minha própria imagem e semelhança do dia anterior. Estava fresco e um cinza-nublado cobria tudo. Meus olhos doeram ao me enxergar e quis voltar desesperadamente a adormecer. Tinha tido um sonho bom.

Quando entrei no ônibus, no céu representava tudo aquilo que, definitivamente, eu não estava sendo: figurava imponente lá em cima, o sol, todo cheio de si. Não sendo egoísta, lançava raios sob nossas cabeças ― em uma atitude agressiva ao meu ver parcialmente tampado pela minha mão.

Não havia trânsito, tudo permanecia parado, carro depois de carro. Os veículos de maior porte fechavam cruzamentos e os menores estavam tão juntos que bastava um espirro para uma colisão. Claro que não podiam deixar isso de lado, as pessoas gritavam entre si e pouco faltava para um estapear o outro. Nem eram oito da manhã.

Nisso uma velhinha pediu para se sentar ao meu lado ― a essa altura já tinha feito do banco vazio a minha escrivaninha. Puxei tudo para meu colo e lhe dei espaço. Começamos um papo que certamente valeu bem mais que o dia inteiro que tive na faculdade, quiçá outros dias.

Crianças e velhos possuem em si características semelhantes mesmo com o longo período que os separam. As crianças são sapientes dentro de sua simplicidade e sinceridade ao ver o mundo e as pessoas, não estão presas a pré-conceitos, receios ou qualquer coisa que os prenda a uma conclusão medíocre. Já os velhos, esses já viram muito, passaram por mudanças extraordinárias, o tédio estava presente em romances de biblioteca apenas. O rosto enrugado e os olhos brilhantes, quase sempre com aquele aspecto úmido, marcam território no campo da experiência e sabedoria.

Ao indagarmos sobre o trânsito, ela me disse que aquilo ''não é progresso, minha filha, é atraso''. Chamou minha atenção quanto a construção de novos prédios e suas características. Falamos sobre o excesso de carros nas ruas e concordamos quanto às facilidades de crédito. Sobre isso filosofou que "quem gasta mais do que ganha, é ladrão de si mesmo". Pura verdade. E completou: "Eu, eu vivo como posso".

Ela estava voltando para perto de onde eu estava indo. Então, veja bem, eu, que não queria enxergar o cinza e evitava o brilho do sol a qualquer custo, me senti incrivelmente patética e pecadora diante dela ― que não se importou com cinzas ou brilhos, se arrumou no seu vestido branco com flores rosas e seguiu a própria vida por si.