25.3.11

19.

Clara me olhava tímida. Clarinha nunca foi do tipo que ouvia um A sobre minhas noites em claro sem ficar horrorizada ou dizer uns 'Ai, meu Deus' ao longo das narrativas. Coitada da Clara. Estava dizendo a ela que hoje fui ao cinema. Éramos apenas dois: eu e um cara lá ao fundo. Coisas de hora de almoço.

Contei a ela que nunca me sentira tão tentada a sentar ao lado de alguém. E aí, quando ela me respondeu com aquele "Para...?", me perguntei o que diabos fazia andando com aquela garota.

Meu Deus, Clara, se há um lugar cheio de cadeiras vagas e vem alguém querendo sentar logo ao SEU lado, o que você pensa?

Ela até fez menção de abrir a boca depois de um tempo, mas não a deixei falar qualquer coisa. Tinha receio de sair barbaridades dali, perder a paciência e nunca mais a olhar outra vez. Então completei com o seguinte: pode ter certeza: ou é assalto ou ele vai chegar em você!

Clarinha fez cara de surpresa, como quem diz "oh-agora-tudo-faz-sentido" e me mandou prosseguir, mas eu disse que era aquilo. E ela me olhou perplexa, indagou como tive coragem de deixar a coisa por aquilo mesmo. Ué, deixei e pronto -- respondi com simplicidade.

Ela soltou a respiração de forma audível; intorelante, diria. Formou uma concha com as mãos e começou: lembrou-me que aquilo foi o cúmulo do descaso, que'u virara as costas para o próprio destino. Filosofou que negar-se a viver era o mesmo que não querer viver e que era pecado negar a vida; mas, acima de tudo, uma coisa era evitar aproximações com quem passa ao seu lado, por alguns segundos, outra era evitar por cada segundo das duas horas de filme. Olhou-me seriamente, exclamou um "Francamente!", levantou-se sem que eu pudesse falar qualquer coisa.

É, às vezes até as Clarinhas surpreendem.