27.2.11

18.

" O álcool fizera efeito e pouco estava me lixando se conseguiria desviar daqueles que vinham andando contra o fluxo. De qualquer forma, pouco me importava, sinceramente, todo mundo deveria estar tão ou mais do que eu. Passei meu braço em volta do pescoço de um desconhecido tão amigo, não conseguia lembrar o nome, mas sentia os elos se tornando cada vez mais fortes entre a gente. Sorriso de um lado, risada do outro. Só queria saber para onde iríamos depois.

Do nada um rosto de fato conhecido surgiu, me dando um puta susto, tão conhecido que me doeram as entranhas. Sabia quem era, porque estava ali, o que sentia. Deveria ser meu porto seguro, não? Mas queria aquilo longe de mim, não queria nada das coisas que me prendessem a terra por lá. Não sei o que falou, só sei que eu, usando uma certa inclinação de corpo difícil de detalhar, não parava de lhe perguntar E daí, qual o problema? E daí, qual o problema? E daí, qual o problema? Podre na alma, no corpo e no álcool, era tudo que era.

Puxei mais um pouco, até que o resquício de fogo finalmente me queimou ― dedos e lábios. Fiz careta mesmo sem sentir a dor, em uma falsa pretensão de transmitir pureza. Amassei o restante no cinzeiro. Você fuma demais. Tive que rir. A risada me pareceu tão longa que pensei estar rindo de uma lembrança muito distante quando parei. Sempre disse. Desavergonhados são os virginianos. Servi vinho para ambos.

E a reação depois da repetição da mesma pergunta, eu mal lembro. Só sei que depois de um tempo o porto seguro se foi. Soube que não foi tranqüilo como digo, seguiu-se um escândalo de proporções bem grandes, onde mal me continha em pé, choro de um lado e riso histérico do outro. Não preciso dizer a quem pertencia o quê, certo? Só não enxerga quem não quer, sempre fomos diferentes, até na bebedeira. Você está caindo por terra, não sei o que anda querendo provar, não que eu possa falar algo… O cigarro estava de bobeira na minha frente, pedia para ser acendido e não fiz questão de negar. De qualquer forma, você tem que dar um jeito nessa coisa de vocês, isso é incomum. Fiz que não entendi do que se tratava e talvez não entendesse mesmo. Comecei a levar fé em Faulkner depois que li a respeito daquele lance onde as palavras não serviam para nada, que elas não se adaptavam nem mesmo ao que elas queriam dizer. Algo assim. Quantas vezes disse apenas por dizer?

Em resposta, não quero provar nada a ninguém, exceto essa coisa, como você chama, essa coisa não vai muito longe. Nada disso vai muito longe, chegará uma hora, guarde o que te digo, chegará uma hora em que nossos caminhos estarão tão distantes um do outro, que não haverá grude que nos prenda. Eu terminarei por baixo, talvez por terra, como você diz, o que faz parecer um discurso perdedor, mas é a verdade. Aí tu me pergunta se lamento. Bebemos vinho, tragamos do cigarro, controlei a voz. Aponto, respiro e respondo. Lamento e já sofro, às vezes me deprimo, mas mantenho a compostura. Já disse em algum lugar que lutar contra o inevitável é bobagem. Sei lá, vai ver Coppola não dirige meu filme?

Rimos e rimos tanto e tão prolongadamente que no final nos olhamos, cúmplices, daquilo que agora me parecia memória distante, relato de sonho. "

0 comentários:

Postar um comentário